terça-feira, 22 de setembro de 2009

Conceder Divino - Capítulo 6 e 7

Hello there!
É, Setembro já está acabando e eu quase esqueci de vir aqui no blog. Mas não é algo ruim. (Ta bom, é sim, mas nem tanto, e vou explicar por que.)
A verdade é que esse mês eu tive umas mil coisas para correr atrás. Além do meu livro (que já passou da metade), eu comecei um conto especial para participar de um Concurso Cultural promovido pela Editora Jambô (a que me fez querer ser escritor). E também surgiram dois projetos grandes relacionados a mágica. E foram eles que tomaram todo meu tempo, pois tive que tirar fotos, escrever releases, um monte de coisa.
Como hoje eu consegui acordar cedo, decidi que a primeira coisa que iria fazer era vir postar conteúdo novo. E aqui estou.
Dessa vez decidi postar dois capítulos de uma vez, porque o do mês passado foi bem curto. Eu tinha duas surpresas para esse mês, mas não deu tempo de terminá-las, então vai ter que ficar para a próxima hehe. Até lá, e boa leitura.

Capítulo 6 – Mansão em chamas

- Como o tempo passa depressa. - Refletia consigo mesmo o bardo, no limiar entre consciência e o sonho, já sem ar nos pulmões. - Parece que foi ontem que eu me mudei para Valkaria, deixando para trás o ninho de serpentes que é Ahlen, para dar um rumo digno à minha vida. E agora estou aqui, sendo assassinado por uma planta. Que falta de sorte, e o pior de tudo é que, ainda sou virgem.
Achir Snycer é nativo do reino da intriga, e desde pequeno, como era de praxe naquele lugar, fora treinado nas artes ladinas, trabalhando para seu pai, que era um espião das três principais famílias do reino, Shcwolld, Rigaud e Vorlat.
Enquanto morou por lá, em Tharthann, o pequeno Achir roubava documentos importantes para seu pai, tendo sempre que se manter oculto da percepção de todos. E inúmeras vezes se viu tendo que fugir, para não ser pego, isso o tornou muito ágil e aguçou seu raciocínio. Até que um dia, viu seu pai ser envenenado e se tornar um pedaço murcho de carne ressacada no chão.
Aquela terrível demonstração de até onde os regentes do reino poderiam chegar para obter o que desejassem fez o assustado menino abandonar a cidade. Como nunca conhecera a mãe, Achir vagou sozinho até a cidade de Valkaria, em Deheon, onde ganhava a vida batendo carteiras.
Viveu assim por três anos, mas no seu décimo segundo aniversário, encontrou uma pessoa, que daria uma reviravolta em seu destino. O bardo Lafier Pé-de-valsa. Achir tentara roubar a harpa de Lafier, mas este se mostrou tão ágil quanto o ladrão, e conseguiu intercepta-lo e tomar de volta seu instrumento, uma harpa dourada como a face do deus do Sol, com pequenos diamantes incrustados na parte de baixo, onde ficavam presas as finas cordas.
-Desculpa garoto – disse encurralando Achir -, mas isto aqui eu não posso deixar você pegar, senão fico impossibilitado de trabalhar.
Nenhuma palavra saiu de sua boca, apenas olhava para o chão, com as lágrimas invadindo seus olhos, e com medo em seu peito, que parecia encolher-se apertando os pulmões.
-Tome aqui alguns tibares. - Lafier estendeu a mão, com três moedas de prata, sorrindo para o garotinho à sua frente, que então, olhou para o belo rosto, de queixo largo, do bardo. As lágrimas finalmente escorreram até suas bochechas.
-O.. obrigado.
-Qual o teu nome menino?
-Achir.
-Hum, bonito nome. Achir o que?
-Snycer.
-Sabe tocar harpa, Achir Snycer?
-N.. não senhor.
-Hahahaha! Me chame de Lafier, sim? Ainda sou muito novo para “senhor”.
-Não sei não, Lafier. - Achir agora não chorava mais, e um tímido sorriso floresceu em sua face.
-Venha comigo então, vou te ensinar algumas coisinhas, ok? Você tem pai e mãe?
-Não sen.. Não. - Os olhos lacrimejaram de novo, junto com a tristeza na expressão.
-Hum. Que lástima, que lástima. Eu te adoto então, Achir Snycer, por tua ousadia e sinceridade, a meu ver, ganhaste o direito de ser meu aprendiz. Se essa for tua vontade, é claro.
Não foi necessária nenhuma palavra em resposta, o brilho nos olhos do novo aprendiz já dizia claramente qual era a vontade do garoto, que sempre fora apreciador das músicas de taberna, e tinha grande admiração pelos que possuíam o dom do canto.
O aprendizado durara cinco anos, e ao seu termino, mestre graduou aluno lhe passando seu instrumento mais precioso, a fabulosa harpa dourada, a mesma que os fizera se conhecerem.
-Tenho algo novo para te ensinar antes de te deixar viver sozinho. Esta belezinha aqui não é como as outras. Do mesmo modo que ela pode encantar da mais fina corte até o mais tumultuado bordel, pode também lançar um feitiço muito mais interessante, e na maioria das vezes, muito mais compensador.
-E o que é, mestre Lafier? Diga logo, pois me deixou muito curioso.
-Vou dizer, vou dizer, não interrompa. Tocando as notas certas – seus dedos correram determinados cordas, sem tocá-las. - e recitando o nome de certas raças ou criaturas, se algumas destas estiverem ouvindo tua canção, dormirão o mais profundo dos sonos, sendo capazes apenas de acordar quando a melodia não puder mais ser ouvida. Tome, é tua agora, um presente por todos estes anos de dedicação.
Mais uma vez, Achir disse tudo o que precisava sem precisar de nenhuma palavra.
Passado alguns meses, em uma noite aparentemente calma e agradável, como todas as outras, veterano e novato caminhavam pelas ruas, alterados pelo doce efeito das tabernas, suas bebidas e suas mulheres, quando, pegos de surpresa, viram o caminho obstruído por dois enormes minotauros, cada um deles segurando grandes machados de batalha. Um golpe forte, cortando o vento, veio da criatura da direita, acertando firmemente o ombro de Lafier, que caíra já sem vida, e sem o braço, no chão, aos pés de seu ex-aluno. O sangue se espalhou rapidamente, cobrindo certa área da rua com um tom negro vinho.
Mal o bardo restante tivera tempo de assimilar os acontecimentos, sentiu a forte mão do agressor apertar-lhe o pescoço, impedindo-o de respirar.
-Hei maldito, quem você pensa que é para dar em cima de todas as mulheres da taberna? - O cheiro de álcool que vinha do minotauro deixou Achir ainda mais tonto. - Só porque é um humano você acha que pode ficar com todas, rapaz? Nós vamos te dar uma lição de boas maneiras.
Um assobio ressoou alto, mas não fora o golpe destinado ao bardo. Snycer viu um vulto, um trovão prateado, relampejando no dorso do minotauro, separando a parte humana da taurina, que caíram inertes no chão avermelhado e grudento. A silhueta de um homem, segurando uma espada muito fina se fez visível atrás do novo defunto, vestindo um pesado sobretudo e um chapéu de três pontas, ambos roxos.
No instante seguinte se lembrara do outro inimigo, e num movimento brusco olhou em direção onde este estava, e encontrou uma estátua de gelo no formato do assassino de seu mestre, segurando inutilmente seu machado, com uma expressão irreconhecível por dentro de seu caixão gelado. Foi ai que percebeu que o rapaz da espada não estava sozinho, ao seu lado havia outro homem, de aparência robusta e bela, mas suas vestes largas de mago escondiam o corpo relativamente forte de seu outro salvador. No instante seguinte, caiu de joelhos, aos prantos.
-Que é isso rapaz? Levante-se vamos! Tenho certeza de que Lafier não gostaria de vê-lo assim. Venha, levante-se, venha conosco para uma estalagem. - O espadachim agora estava ao seu lado, e Achir percebeu que o mesmo usava uma estranha máscara de madeira, que parecia chorar a morte de seu amigo também.
-Quem é você? Você conheceu Lafier? - Levantou-se ainda chorando, segurando na mão que o estranho havia lhe estendido.
-Lyem, Lyem Aquai. Sim eu o conhecia, tocava harpa como ninguém, e vejo que você é o herdeiro das habilidades dele hein, bom, pelo menos do instrumento.
-Hehe. - Um tímido sorriso brilhara em sua face. - Obrigado, acho que vou aceitar o convite de lhes acompanhar. A propósito, me chamo Achir, Achir Snycer.
-É um prazer Achir.
-É um prazer, eu me chamo Radagast Tasir. - O outro rapaz se juntara à conversa, e seu modo de cumprimentar era muito estranho e cômico, o suposto mago levou a mão até a cabeça, com a palma aberta, e em seguida a estendeu para frente, como se retirasse um chapéu invisível dos curtos e embaraçados cabelos negros.
Aquela fora uma noite inesquecível, várias acontecimentos, bons e ruins, decidiram se acumular para aquele dia. O dia em que Achir Snycer se juntara ao grupo de Lyem Aquai, e juntos viveriam, com seus altos e baixos, os momentos mais felizes de suas vidas. Mas hoje o bardo se encontrava num dos momentos baixos, talvez o último que presenciaria.

Já havia passado alguns minutos desde que estivera ali preso naquela planta estranha, e já não podia mais respirar, mas ainda estava consciente, algo não deixara o bardo desfalecer, nada podia estar pior. Mas então, um calor estranho começara a se espalhar pelo lugar.
A vegetação gigante começou a tremer, parecia se contorcer de dor, e a raiz que sufocava a presa afrouxou e caiu de sua boca. Em um último ato desesperado, Achir encheu os pulmões, e no mesmo segundo...
-SOCORROOOOOOOOOOOOOO!

O dia em que seguiram caminhando, deu a vantagem para a carruagem negra precisava para alcançar os aventureiros, uma vez que os vigorosos corcéis que a conduzia não pararam nem um dia sequer para descansar, e ainda assim chegaram ao reino de Petrinya sem nem mesmo ofegarem.
O cavaleiro de armadura negra que viajava dentro da cabine, no momento em que se aproximavam da cidade de Malpetrim, avistara o grupo ao qual estava perseguindo desde Valkaria se embrenharem na mata que moldava a estrada, indo sem um rumo aparente.
-Quer que eu os siga querido? - Perguntou uma voz feminina, tão doce quanto o mais puro mel, e duas vezes mais cruel e penetrante. Havia uma bela moça, de longos cabelos negros como uma noite sem lua, muito bem vestida, com uma única peça de couro reluzente que contornava fielmente os belos traços de seu corpo magro e esguio deixando à mostra somente seu rosto fino e branco e suas mãos de mesma tonalidade e fragilidade. Ela acompanhava o guerreiro desde a capital do Reinado, e parecia ter muito afeto, ou no mínimo respeito, pelo homem que lhe dividia o acento.
-Vamos todos nós. Acredito que esta mata alta nos encobrirá, até mesmo a carruagem. Eu gostaria de ver pessoalmente onde eles estão indo.
Dito isto, os cavalos trotaram devagar na mesma direção tomada pelo grupo de heróis. Não demorou muito para o casal avistar a grade mansão abandonada, e neste ponto foi pedido para que os corcéis parassem. Dito e feito.
-Então é aqui. Que decepção. Não há nada aqui além de sujeira. - Disse o homem, olhando desdenhosamente para o antigo lar do alquimista. - Vá minha querida Nioksel, ateie fogo nessa espelunca. Ateie fogo com nossos queridos desconhecidos ainda dentro dela. - disse abrindo a portinhola lateral.
-Será um prazer. - Dizendo isso, Nioksel saltou da carruagem e foi sorrateiramente, com graciosidade e habilidade que mesmo se houvesse um guarda de vigília naquele local ela conseguiria atravessar todo o campo da forma que bem entendesse. Na sua cintura se encontrava uma pequena bolsa de couro marrom, que se distinguia vulgarmente no fundo preto que era sua roupa, e uma pequena espada embainhada, que balançava suavemente conforme a assassina corria.
Com cautela redobrada, a dama encostou-se à parede lateral da enorme casa, e após ter se certificado que não havia ninguém em volta, abriu a pequena sacola que estava no seu quadril e retirou da mesma um pequeno embrulho, de cor cinza e cheiro forte. Era uma mistura de pólvora que ela mesma inventara. Com todo o cuidado do mundo, Nioksel espiou dentro da mansão pela janela do primeiro andar, e reforçando a idéia de ninguém a vira e nem veriam, atirou o embrulho dentro da mansão, com tanta força que não parecia ser possível ter vindo de uma mão tão frágil,e no momento em que a mistura se chocou com a parede, se vertera em poderosas chamas, que ajudadas pela estranha planta que envolvera todo o lugar, começou a se espalhar, estralando e deformando a construção. Um sorriso macabro de satisfação e de excitação deformara toda sua face, os olhos saltaram das órbitas e refletiram por alguns instantes o bruxulear que arruinava e destruía.
Rapidamente, com a mesma graça e leveza com que se aproximara da mansão, a incendiária voltara para a companhia de seu parceiro, que só abrira a portinhola quando a moça já estava à frente dela, pois nem mesmo ele era capaz de enxergá-la quando ela não quer.
-Agora ninguém mais me atrapalhará. Finalmente poderei continuar minhas buscas sem ser incomodado. Muito obrigado querida. - Disse o cavaleiro de armadura negra, beijando a palma branca da mão de sua subordinada, que agradecera acenando com a cabeça, que apresentava uma face corada, e três vezes mais bonita do que instantes atrás.

Radagast, Katarina e Lyem sentiram o coração e a espinha gelar ao ouvirem a suplica de socorro, e no mesmo segundo já estavam os três fora do laboratório. Por um segundo hesitaram, um calor muito intenso rodeou-os, todo o primeiro andar estava em chamas, e a última sala do corredor do segundo andar, que outrora estivera fechada, agora emanava um brilho alaranjado. O mesmo pensamento surgiu em suas mentes, Achir estava naquele aposento.
-Radagast! Você tenta apagar o fogo! Ou pelo menos controlá-lo! Katarina vem comigo salvar aquele bendito bardo curioso!
O swashbuckler e a paladina correram para a sala onde eles acreditavam que o bardo estava, correram com todas as forças de suas pernas, como se suas próprias vidas fossem se extinguir se chegassem um segundo se quer mais tarde. Quanto tempo fazia desde que a mansão estava em chamas era desconhecido por eles, e o medo de já ser tarde demais lhes davam impulso para correrem como jamais um humano foi capaz de fazer.
O feiticeiro por sua vez, subiu no parapeito do corredor, estendeu as mãos para o fogo que consumia todo o primeiro piso. Fechou os olhos, concentrou-se. O calor era quase insuportável, e ele sentia o suor escorrer por todo o rosto e colar suas vestes no seu corpo. “Pare de pensar no suor rapaz” pensou consigo mesmo. Ergueu uma das mãos, abriu os olhos e mirou um ponto fixo, em meio ao mar de chamas, que volte e meia lançava uma pequena onda ígnea em sua direção. Mas o calor já não o perturbava tanto, pois já não o sentia tão abundante, pelo contrário, seu robe agora se umedecera, não pelo suor, mas pela maça fria que começara a se condensar em sua volta.
A nuvem, ainda muito pequena, diferença nenhuma fazia em meio aquele fogo todo, porém a partir daquele momento ficara muito mais fácil para Radagast se concentrar. Logo, não demorou muito a magia começou a se fortalecer e a cobrir uma área maior, e o incêndio aos poucos, fora cedendo timidamente àquela poderosa maça de ar frio, que se condensava com várias partículas de água, que Radagast inteligentemente acrescentou ao feitiço.

Quando Lyem e Katarina entraram no quarto, hesitaram mais uma vez, a visão daquelas flores gigantes e grotescas, ardendo em chamas e exalando um cheiro muito forte e indistinguível, parecendo uma mistura das fragrâncias de chá e fuligem. Avistaram então o bardo, caído ao chão, envolto por grossas raízes nos pés, nas mãos e no peito, e correram então em auxílio ao amigo.
Mas, quando o líder se aproximou do bardo, olhou de relance para a janela, e no mesmo instante voltou bruscamente o olhar para o campo lá fora. Em meios às chamas e a fumaça que embaçava a visão, Lyem Aquai avistou, graças a sua visão privilegiada, a carruagem negra, e no mesmo momento lembrou das palavras do rapaz que se encontrava desacordado no chão aos seus pés.
-Katarina meu amor, cuide do Achir. Vou tirar a limpo uma dúvida que acabo da ter. - Dizendo isso, o jovem swashbuckler correu até a janela, ignorando a grande torrente de fogo que se jogava contra ele, e com um salto, encolhendo os braços à frente da face, duplamente protegida agora, atravessou a frágil vidraça, as terríveis chamas e a sufocante fumaça, para cair quase imaculado, no solo um andar a baixo, e correr mais uma vez, agora em direção à estrada.
A paladina mal ouvira a ordem de seu líder, devido a pressão excedente ali na sala. Sua visão também ficara turva e os pulmões trabalhavam com dificuldade. De repente ouviu o vidro da janela quebrando e girando a cabeça na direção do estralo viu os cabelos de Lyem sumindo na parte de baixo do buraco. Com muita dificuldade se aproximara do amigo desmaiado. Sua armadura começara a esquentar, e seu peso parecia dobrar a cada passo mais próximo das chamas que consumiam quase toda a planta grotesca que habitava o quarto. Continuava caminhando bem devagar, suas pálpebras querendo fechar, deixando apenas um pequeno filete aberto, tornando mais difícil enxergar em meio àquela inundação de fumaça e fogo.
Um baque a fez despertar. Era seu joelho esquerdo, que cedera ao peso da armadura e do cansaço precoce que a situação impunha. Olhando para baixo, ainda pela fresta estreita dos olhos, viu que o bardo estava bem ali, ao alcance de seu braço. Segurou então o amigo pelo colarinho, o calor quase a fizera soltar a roupa, mas ela não podia, tinha que sair dali, e depressa, sua visão já não era mais confiável, muito menos seus reflexos. Agarrou firme e puxou o bardo, arrastando-se e trazendo-o consigo, mas não podia mais suportar, um círculo imponente de fogo se ergueu em volta dos dois, obstruindo o caminho.
-”Katarina meu amor, cuide do Achir”. Ótimo, mas quem vai cuidar da gente agora? - no mesmo segundo que disse essas palavras, Katarina sentiu o corpo amolecer e a mente relaxar, como os dois primeiros minutos que se deita na cama depois de um dia de trabalho duro, aqueles dois minutos que antecedem o sono mais profundo. E nesse curto espaço de tempo, a irmã da clériga ouviu uma voz, muito distante, entre os estralos que o fogo provocava, ela dizia “Eu cuido querida, e depois vou cuidar daquele louco que pulou da janela”, a voz era masculina, descartando a possibilidade de ser Tanna-Toh, mas que a paladina julgou então ser o espírito que iria conduzi-la ao encontro com sua adorada deusa. Então, finalmente, em meio ao calor insuportável, que fizera sua armadura queimar-lhe algumas partes do corpo, e ao consolo de não estar desamparada, desmaiou.

Katrina também ouvira o grito do bardo, mas estava preparando a dificílima poção que o grupo estava procurando, e acabara de misturar dois ingredientes que, se não fossem devidamente dosados e fervidos a temperatura certa, a mistura coalharia e seria preciso fazer outra. E como um dos ingredientes disponíveis tinha sido suficiente apenas para uma receita, a clériga decidiu então ficar ali e terminar com calma a parte da poção que poderia ser feita sem a “Liana Galrasiana”.
“Liana! Lembrei!” pensou entusiasmada, no momento que os outros corriam em auxilio ao companheiro. “Liana é a mesma coisa que trepadeira! Tão obvio! Tenho certeza que é essa estranha planta que tomou conta da casa”, e assim, continuou tranqüila e alegremente o preparo das ervas e outros ingredientes. “Eles não precisam mesmo da minha ajuda lá fora, o Lyem foi também, e terminando essa poção eu também estou ajudando.”

Radagast ainda estava em pé sobre o parapeito, com as mãos ainda esticadas para frente e um grande sorriso esboçado na face, pois as chamas já haviam sido reduzidas a pequenas e inúmeras manchas laranjadas das brasas rodeadas pelo cinza enegrecido do que ainda naquela manhã era uma bela mansão, e que agora não passava de ruína carbonizada.
Os pequenos focos onde ainda restavam chamas ali no primeiro andar não foram problema para o feiticeiro, que apenas dirigindo o olhar os extinguia. Quando finalmente relaxou as mãos, ouviu em barulho, uma batida forte de metal no chão que vinha dali do segundo andar, na direção para onde Lyem havia corrido. Radagast virou a cabeça assustado e viu, caídos no chão, Katarina e Achir, ambos ao pé da porta que transbordava fuligem e calor. Um pequeno vulto que estava junto aos seus companheiros pulou para o piso de baixo correu em direção a porta, e sumiu ao passar pela mesma. O rapaz não pôde enxergar direito o que era, pois ainda havia muita fumaça e ele estava prestando atenção nos amigos.
-Lyem! - percebendo que ainda faltava um companheiro, e que o quarto onde eles estavam ainda ruía em chamas, saltou do parapeito e correu em auxilio ao seu líder que ainda se encontrava no incêndio. - LYEM! - passou ao lado do casal desmaiado, não dando muita atenção, pois eles estavam salvos. Radagast se deteve à frente da porta, ofegante, fechou os olhos. Uma expressão terrível de terror, ódio e receio tomaram o lugar do sorriso de segundos atrás. Estendeu as mãos calmamente para dentro do aposento, enquanto as erguia ia abrindo os olhos com mesma velocidade e puxou o ar, pesado e sujo, os três movimentos perfeitamente sincronizados. Quando seus braços ficaram retos, seus olhos abriram e seu pulmão se enchera, soltou todo o ar com apenas um grito, que até mesmo Katrina, que estava imaculada na sala magicamente protegida, ouvira e se levantara para ir ver o que era.
-LYEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEM!
O grito pareceu espantar a fumaça, que foi jogada para dentro do quarto, num turbilhão de ar que abriu caminho em espiral em meio ao caos e a destruição ígnea. As roupas e o os pequenos fios de cabelo do feiticeiro serpeavam bruscamente devido a poderosa torrente de ar produzida misticamente pelo rapaz. Dentro do quarto, um pequeno furacão negro e vermelho começara a se formar, tragando pequenos pedaços de planta queimada. Todo o fogo e a fuligem começaram a se ajuntar no turbilhão, e em poucos segundos já era possível enxergar normalmente o quarto. Radagast suava frio. “Lyem, cade você?” pensava, temendo dar espaço a devaneios mais macabros.
-Calma Radagast... - uma voz rouca e quase inaudível atravessou a massa de ar que envolvia o feiticeiro e chegou aos seus ouvidos - ele não esta no quarto. Aquele safado pulou a janela e me deixou sozinha lá dentro. - Era Katarina, que acordara ao ouvir o grito desesperado chamando pelo seu amado. Ela tentava sorrir, mas seu rosto estava muito sujo e retorcido da dor que voltara junto com a consciência.
-Wynna abençoe aquele imprudente filho de uma mãe. Não por ele ter te abandonado, é claro. - disse, novamente sorrindo, para sua amiga. E então, com força agora renovada, concentrou-se em transformar o destrutível tornado de fogo e cinzas em um grande e menos ofensivo bloco de gelo, azul, sujo de vários tons de cinza em seu interior. Não fora uma tarefa fácil, teve de condensar o ar com uma grande camada de água, que insistia em ceder às chamas, mas que com muita insistência sobrepujou finalmente o fogo e prendera a tóxica fuligem no interior da estalactite gigante.
E então, Radagast Tasir, após controlar todo o incêndio e gastar toda sua energia, desmaiou de sono ao lado do bardo e da paladina.

Katrina sentiu um frio na espinha quando ouviu o grito desesperado chamando por seu amado, e aproveitando que o perigo de coalhar a mistura já não existia mais, foi ver o que estava acontecendo. Quando parou na frente da porta viu Radagast correndo em direção a sua irmã e ao bardo que estavam caídos não chão. Logo depois se assustou novamente, vendo a horrível fumaça negra e cinza que saia de um dos quartos.
“Lyem? Cade o Lyem?”, a mesma aflição que pairava na mente do feiticeiro recaiu sobre a clériga, que ouvia as batidas fortes e aceleradas de seu coração contra seu seio. “Radagast salve o Lyem, por favor!”, apertou as mãos contra o peito, que doía de angústia.
E então, o feiticeiro falou alguma coisa olhando para baixo, e Katrina percebeu que era para sua irmã, que estava acordada agora. O vazio no estômago e a pressão no coração amenizaram quando ela percebeu que Radagast estava sorrindo. Suas pernas fraquejaram e cederam. A menina caiu sentada nos próprios pés, deixou as mãos pousarem suavemente em suas coxas e chorou, por pouco tempo. Quando olhou novamente para os três parceiros, estavam todos caídos, então, levantou-se e correu até eles.

Capítulo 7 – Aughos Tasther

Lyem não queria deixar os amigos para trás, ainda mais com o bardo na situação difícil em que estava. Mas ele precisava tirar aquela história a limpo. Quem diabos estava os perseguindo e tentando impedi-los? E por quê? Ele não podia perder esta chance.
Então correu novamente, quase tão rápido quanto no corredor do segundo andar da mansão, habilmente por entre a vegetação que o separava da estrada. Logo pôde ver melhor a bela carruagem negra, elegante e distinta. Rodeou-a pelo flanco, se adiantando para uma curva da estrada vinte metros à frente. Chegando lá, se dirigiu para o meio da rua, retirou o chapéu da cabeça e a espada da cintura.

O casal que estava dentro da carruagem trocou olhares apreensivos quando perceberam que a velocidade da mesma se reduzira até parar. “O que será que aconteceu?” pensaram os dois, mas sem dizer nenhuma palavra um para o outro, quando...
-EI VOCÊ AI DA CARROÇA! (o cavaleiro sentiu uma pontinha de raiva cutucando o peito) DESÇA AQUI E VENHA CONVERSAR COMIGO! SE NÃO FOR A PESSOA QUE ESTOU PROCURANDO EU O DEIXAREI PARTIR SEM NENHUM PROBLEMA, MAS SE FOR, É BOM TRAZER UMA ARMA ENTÃO!
A voz era de um homem jovem, porém abafada, como se ele tampasse a boca com alguma coisa. “A então é você Lyem Aquai. Que agradável surpresa”, pensou sorrindo o rapaz.
-Quer que eu desça e despiste-o querido? Ou até mesmo matá-lo logo, assim poupamos um pouco de tempo – A mulher também sorria, um pouco desapontada por alguém ter fugido do seu fogo químico. “É, ele merece algum respeito.”, pensou a mulher.
-Matá-lo, sim, sim. Mas não você. Eu faço questão de ir pessoalmente. Você não o matou na primeira vez, não conseguirá agora. - Estendeu a mão até a porta e a abriu. Antes de descer olhou para sua companheira, que parecia magoada com seu comentário maldoso, piscou um dos olhos e mandou um beijo, e então, virou as costas e saiu.
Seu coração acelerou à visão que teve em cima da pequena colina onde a estrada fazia a curva. Em pé ali se encontrava uma figura imponente, de longos cabelos negros que balançavam suavemente ao vento do Pôr-do-Sol. Segurava um chapéu em uma das mãos e uma longa espada, com uma cúpula no cabo para proteger a mão do usuário e com uma lâmina muito fina e comprida, na outra, os braços estavam cruzados em forma de xis na frente do umbigo. Azgher começava a sumir no horizonte bem atrás do desafiante, que emanava um brilho vermelho e projetava uma imensa sombra que quase alcançava os cavalos.

Lyem sorriu por detrás da máscara ao ver a pessoa que respondera à sua convocação. Vestia uma bela armadura negra com detalhes e cobras dourados. Trazia duas espadas longas embainhadas na cintura, uma em cima da outra. Uma luz vermelho-sangue se misturava ao cavalheiro, que refletia o Pôr-do-Sol de forma tenebrosa e quase apavorante. Quase, se seu oponente não fosse Lyem Aquai.
-E então. Qual o seu nome, cavaleiro de armadura negra?
-Aughos, Aughos Tasther. É um prazer conhecê-lo, Lyem Aquai.
-O prazer é meu – disse retribuindo a reverência que lhe foi feita. - Então já me conhece senhor Aughos. Posso deduzir então que é você quem vem tentando matar a mim e meus companheiros?
-Não diga as coisas desta maneira, parece forte demais para a situação. Veja bem, da primeira vez eu apenas queria o seu livro, para que não fossem capazes de continuar com o que queriam. - um sorriso perverso enfeitava seu rosto. - Mas como não deu certo, achei que seria melhor acabar com o problema direto pela raiz. - Disse com calma e uma serenidade que deixaram o swashbuckler meio desconcertado.
-Então minhas suspeitas estavam certas. Foi você quem ateou fogo na mansão onde nós estávamos.
-Oh você ainda não sabia. Preciso aprender a manter a boca fechada. - levou a mão até os lábios, e tapou-os, com um sorriso escárnio para Aquai.
-Deixe que eu te ensine então. - Lyem descruzou os braços, ergueu o que segurava o chapéu dobrado para frente e estendeu o que segurava a espada em direção ao palhaço ali na sua frente. - “Como calar a boca com apenas um golpe”, um curso rápido, de apenas uma aula. Você vai adorar. Em guarda!
O guerreiro puxou uma das armas, mantendo o a expressão debochada. - “Um único golpe”? Não achei que seria tão fácil assim, eu pensei que você fosse um pouco mais forte. Então uma espada só será o suficiente. - ficou em posição de combate.
O swashbuckler foi o primeiro a avançar, correndo graciosamente em direção ao inimigo, mas não desferiu nenhum golpe. No momento que chegara a dois metros do cavaleiro, o mesmo varreu o ar num golpe rápido, obrigando Lyem a inclinar-se rapidamente para não ser atingido, girando nos calcanhares e se afastando assim do hábil combatente.
Aughos não sorria mais para tirar sarro de Lyem, e sim pela satisfação de ver que seu adversário tinha talento, e ficava ainda mais feliz com a idéia que talvez aquele duelo lhe proporcionasse alguma diversão. O swashbuckler também estava contente, por finalmente ter encontrado alguém capaz de atacar-lhe com confiança e audácia, e não mais um medroso prepotente que apenas balançava a espada cheio de incerteza, debilitado devido as estocadas precisas de Aquai. Esse combate fazia o sangue ferver.
Dessa vez foi o cavaleiro de armadura negra que tomou a iniciativa, dando um passo na direção do herói e fazendo o vento assobiar em sua espada enquanto a brandia rumo ao peito do inimigo. Lyem interceptara o golpe, mas o impacto foi muito forte, e sua mão quase cedera à pressão, e sua arma não caíra no chão por pouco. Ele conseguiu fechar firmemente os dedos no cabo, e empurrou para o lado a lâmina adversária.
-Dê risada agora amigo! - A voz do aventureiro, apesar de abafada, estava carregada de ódio e satisfação. Aughos estava com a guarda aberta e a menos de um metro de distância. Lyem mirou a junta da armadura na altura do pescoço do cavaleiro. “Um único golpe! Daqui onde estou eu não erro nem mesmo se eu fosse cego e não tivesse os braços.” a espada zuniu em direção à jugular de Tasther. Mas Lyem não acertou. A armadura negra, que reluzia as escassas luzes vindas do horizonte, que começavam a se extinguir, se tornara um borrão de cor vinho que dera a volta por trás de Aquai, se esquivando do corte mortal. No segundo seguinte, uma forte dor se espalhara pelas costas do swashbuckler, primeiro como uma lambida gelada de ferro frio que começava do ombro e ia até as ancas.
Lyem cambaleou um passo para frente, já não sorria mais, a dor era insuportável. Ainda segurava a espada, mas sem nenhuma força. “Aquele maldito é muito rápido”. Sentiu o sangue escorrer para a calça e umedecer suas vestes. Já não via luz alguma, e não sabia se o sol finalmente se punha ou se realmente ficara cego. “Arranque meus braços agora, e vamos lutar de novo.” Sentiu o chão bater em seu peito e face, as costas fisgaram de dor.
-“Como calar a boca com apenas um golpe”, é, parece que eu aprendi. Você é um ótimo professor. Mas desculpe-me, eu estou com pressa. Preciso encontrar alguns objetos importantes agora. Hahaha! - Aughos Tasther deu às costas ao corpo desprezível caído no chão, e entrou na carruagem, que, no mesmo instante, seguiu viagem.
Lyem Aquai respirava com dificuldade, sentindo a máscara sufocando-o e mal conseguia mexer os membros sem sentir uma agulhada nas costas. Nos últimos instantes de consciência conseguiu ver as lamparinas da carroça sumindo na curva da estrada, e ouviu a vegetação à sua frente se mexendo, como se algum animal feroz aprontasse o bote. Mas ao invés disso ouviu passos e uma voz desconhecida, masculina infelizmente.
-Não se preocupe. Vou levá-lo de volta para a mansão. Lá a Katrina... - Lyem enfim desmaiou.